11/12/15
Luís era católico
bastante praticante. Gostava de ajudar os pobres. Fazia visitas semanais aos
doentes e, como vicentino, visitava regularmente a famílias cadastradas.
Tinha 30 anos de idade,
mas ainda não se casara. Muitas vezes ficara indeciso entre o casamento e o
sacerdócio, o que estava atrasando essa decisão. Fizera Filosofia pura, tendo
em vista uma futura decisão para o sacerdócio, e dava aulas de filosofia e
psicologia numa faculdade da cidade onde morava, após fazer mestrado e
doutoramento. Gostava muito do que fazia.
Morava com os pais e mais
um casal de irmãos, mais novos do que ele. Seu pai às vezes exagerava na bebida
e fazia coisas maldosas, irracionais, como “desenterrar” problemas e maus
acontecimentos do “baú” de coisas antigas. Isso o fazia sofrer muito! Só não
deixava a casa por causa da mãe, de quem tinha muita pena.
Entre os idosos, gostava
muito de visitar os Silva: João e Maria Silva, octogenários. Trocava muitas ideias
com eles, durante um cafezinho com bolo que lhe ofereciam durante a visita.
Estava difícil converter o casal, pois ambos eram revoltados com Deus, por
terem perdido um dos filhos num acidente terrível, numa estrada vicinal do
interior. Culpavam a Deus pelo ocorrido, e nunca falaram nada a respeito dele.
A revolta era profunda!
Certo dia, num sábado,
dia livre de aulas, Luís pretendia curtir a presença dos pais no jantar.
Comprou sorvete como sobremesa e algumas coisas mais. Tudo estava pronto, já na
mesa. e só faltava o pai. Aguardaram algum tempo e, na demora, começaram a
jantar, alegres, conversando sobre fatos gozados acontecidos com parentes e
conhecidos.
Uns quinze minutos
depois, apareceu o pai, bêbado, falando enrolado: “Por que não me esperaram?
Sou mesmo desprezado nesta casa!” Ele não falou desta maneira, mas, em seu
linguajar errado, o conteúdo era esse.
Luís tentou dialogar, mas
como fazer isso comum bêbado? A mãe também tentou explicar, mas de nada
adiantou.
Num ímpeto de
imbecilidade, o pai do Luís pegou uma travessa de carne tenra e cheirosa, com
aparência apetitosa, que estava na mesa, e jogou-a ao chão, dizendo algo
parecido com isto:
-Se não me esperaram,
ninguém mais vai comer!
Ao fazer isso,
desequilibrou-se e caiu ao chão, batendo a cabeça na quina da pia, desmaiando e
se esvaindo em sangue.
Luís pegou-o, enrolou-o
numa toalha e levou-o ao carro. Saiu numa velocidade acima da que costumava
usar, em direção ao hospital.
No meio do caminho, numa
estrada de vários quilômetros que passava por um local desabitado, tentou
desviar de um animal que passara na pista e capotou três vezes, parando com o
carro semidestruído de teto para baixo e rodas para cima. Ficou desacordado.
Acordou no hospital, na
cama, com um sacerdote aparentando 50 anos, de batina, ao seu lado.
-Luís, que bom que você
acordou! Eu me chamo Paulo Adriano.
-Foi o senhor que me
socorreu?
-Sim! O seu pai,
infelizmente, por causa da pancada, ficou paralisado do peito para baixo. Ainda
está sob o efeito do álcool, apesar da glicose que recebeu, e sedado.
-Mas... como então o
senhor já sabe que ele está paralisado?
O sacerdote sorriu e, num
gesto de quem vai sair, disse:
- O médico está chegando.
Eu já vou. Fique bem, e tenha um ótimo futuro! Você vai ficar bem, apesar da
espinha quebrada.
Não houve tempo para
perguntar-lhe mais nada, pois ele saiu sem que Luís desse conta. O médico
entrou com uma radiografia. Uma enfermeira o acompanhava.
-Luís, você é um homem de
sorte! Graças ao modo como foi socorrido, sua espinha vai logo recuperar-se e
não houve sequelas!
-Foi o padre que me
socorreu, não foi?
-Padre? Que padre? Não
vimos ninguém! Você foi deixado numa tábua em frente ao hospital! Achamos
esquisito, mas a tábua salvou sua espinha!
Luís achou tudo muito
estranho.
-O padre acabou de sair
daqui!
O médico olhou para a
enfermeira e fez um sinal de que não estava entendendo.
- Este quarto está
isolado. As visitas estão proibidas! Nem sua mãe pôde entrar!
Luís fechou os olhos e
não conseguiu fazer mais nada além de agradecer a Deus. Logo adormeceu, dopado
que estava com calmantes que lhe tinham sido aplicados.
Dois dias depois, Luís
foi transferido para um quarto comum e lhe deram a notícia que ele já sabia,
pela sua mãe.
-Fizeram um exame ontem
no seu pai e ele está paralisado do peito para baixo, mas não está ainda fora
de perigo!
Dois dias depois Luís
recebeu alta e, com a mãe, foi visitar o pai na UTI. Ele lhes pediu perdão,
chorando. Luís perguntou se ele gostaria de confessar-se e, como dissera “sim”,
levou o sacerdote capelão do hospital até ele. não era o mesmo que o visitara.
Seu pai confessou-se,
comungou, recebeu a Unção dos Enfermos e morreu na paz da misericórdia divina.
Após o enterro, Luís
voltou a fazer suas visitas, mas apenas quando podia: entrara na Faculdade de
Teologia da mesma universidade em que lecionava. Resolvera ser sacerdote. Fora
morar no seminário.
Que alegria quando foi
visitar os Silva! O Sr. João e a dona Maria se alegraram muito!
-Oh, Sr. Luís! Soubemos
que o senhor foi salvo milagrosamente!
-Fui mesmo, gente! E foi
um padre quem fez tudo isso, só que não sei quem é. Ninguém aqui se lembra
dele!
-Disse o nome, Sr. Luís?
-Sim: seu nome é Paulo
Adriano!
Os velhos se entreolharam
boquiabertos. O Sr. João levantou-se com dificuldade, pegou um álbum e mostrou
ao Luís uma foto.
-Seria este,Sr. Luís?
-Sim! Esse mesmo! E
estava exatamente desse jeito! E predisse sobre o que ocorrera com o meu pai.
Vocês o conhecem? Onde ele mora? Eu gostaria de agradecê-lo!
O Sr. João deixou-se cair
no sofá, abraçou-se com a Dona Maria e ambos começaram a chorar. O choro virou
uma oração:
-Perdão, senhor, pela
nossa ignorância! Perdoai nosso pecado! Vós não sois vingativo, Senhor, e
pedimos perdão por termos nos revoltado contra a vossa imensa bondade e
sabedoria!
- O que está acontecendo,
Sr. João, Dona Maria?
-Sr. Luís, esse padre...
(chorando) esse padre...
Dona Maria continuou:
- Era o nosso filho, que
morreu de acidente! Agora sabemos que Deus o acolheu, e talvez ainda estamos
vivos até hoje para sabermos isso!
-Querem um padre para se
confessarem?
Ambos disseram que sim.
Os velhos morreram alguns
meses depois, três meses de diferença entre um e outro, sem mágoas,
reconciliados.
Luís tornou-se sacerdote
e nunca se esquecer do bondoso padre Paulo Adriano, e mandou fazer um busto
dele na cidade onde fora pároco. Lá o conheciam, pois tinha sido muito bom. E todos
viveram felizes para sempre!
Nenhum comentário:
Postar um comentário