sexta-feira, 30 de agosto de 2013

POESIAS - SAUDADE, SOLIDÃO, SILÊNCIO 02

 

O BOLINHO PERDEU O SABOR

AGOSTO 2012

A-389

De repente o mundo que o eremita via

mudou de cor.

De repente, o carro que subia,

começou a descer.

A flor que se abria se fechou,

o canto da abadia se calou.

O murmúrio da feira sumiu.

As águas da cachoeira se congelaram,

Os urubus começaram a pastar,

as galinhas começaram a pôr ovos de ouro,

o bolinho que ele fazia,

tão apreciado no mosteiro,

perdeu o sabor:

ninguém mais quer comer.

Sua voz tornou-se um sussurro.

Seu amor tornou-se um repúdio;

seus ouvidos se encheram de sons azedos;

sua vida tornou-se

uma gruta no deserto.

 

NA CALMA DA NOITE

30/09/2012

A-394

Na calma da noite,

os olhos abertos,

 do insone,

 recusam fechar-se.

Lá fora,

as flores noturnas,

abertas ao orvalho,

atraem,

com perfumes extasiantes os insetos,

que as e se fecundam.

 

A dama da noite

lhe fere o olfato,

enquanto seus olhos se fixam

na claridade do luar,

que penetra em seu quarto.

 

Nos seus lábios

orações se afloram,

mas sua mente recusa,

indomável,

a fixar-se na imagem

que tenuemente aparece na parede.

Sua mente sai dele

e vagueia pelas ruas obscuras,

onde o perfume se muda

em odores diversos,

em cores diversas,

em etnias diferentes,

em classes sociais antônimas,

odores de drogas,

odores fétidos,

poluição descontrolada,

pobreza esmagada,

juventude perdida,

velhice desamparada,

meiguice atraiçoada,

inocência ofendida,

infância inexistente,

inferno materializado.

 

Apesar do frio,

o suor lhe umedece a face,

seus olhos lacrimejam,

não consegue dormir.

 

Na calma da noite,

os soluços dos que sofrem,

o desespero eufórico dos que se drogam,

a sonolência dos que trabalham,

superam a beleza das flores,

a suavidade do orvalho,

a sinfonia dos pequenos animais noturnos,

e o angustiam.

 

Num esforço supremo,

num ímpeto de ascese,

desliga-se de tudo,

pára de pensar,

pára de se preocupar,

cai na indiferença,

coloca tudo nas largas costas de Deus,

e consegue dormir.

Na calma da noite,

os sapos coaxam,

os grilos fazem barulho

a coruja se faz ouvir,

alguns cães ladram,

mas no quarto do que era insone,

finalmente,

o único som que se ouve

é o ressonar do seu sono.

 

Na calma da noite,

Na apatia de sua impotente vida.




SEM EIRA NEM BEIRA

07/10/2012

A-395

Sem nenhum dos seus sonhos,

sem casa,

sem amigos,

sem filhos,

sem seus livros,

sem TV,

sem CD,

sem DVD,

sem eira nem beira,

cacos de seus planos espalhados no chão,

objetos pessoais repartidos,

distribuídos,

jogados no lixo,

como os dos que morrem.

Memória apagada dos anais,

das agendas;

sem aniversários,

sem carro,

sem telefone,

sem cervejinha,

sem internet,

sem contas pra pagar,

sem camisa pra passar,

sem calça pra ajustar,

sem salada nem sobremesa.

Ele é visto como poleiro de galinheiro,

anátema da comunidade,

azáfama dos moralistas,

títere da sociedade,

negação de cidadão,

apenas um sofrível cristão.

Sente-se nu diante do Senhor Deus:

vê-se novamente nas fraldas,

ensaiando os seus primeiros passos,

recomeçando a sua viagem,

agora mais curta,

menos aventurosa,

menos movimentada,

menos apaixonada,

em direção ao Reino de Deus.

Tudo lhe fugiu da mente,

todas as coisas sumiram do seu redor.

Na nudez de seu novo ser,

só quatro palavras ele consegue dizer:

“JESUS, CONFIO EM VÓS!”

 

“SEU MUNDO CAIU!”

(03/11/2012)

A-397

Tudo desabara a seus pés quando foi preso.

Os amigos fugiram,

os inimigos chegaram,

os duvidosos continuaram sobre o muro,

tudo acabou,

seu mundo caíra,

a tranquilidade partira.

A alegria se fechou,

a dor se abriu,

a ferida não apareceu:

permaneceu escondida.

 

Alguns choraram,

sentidos pela sua ausência,

alguns rezaram,

pedindo a Deus clemência,

mas a demência das autoridades

venceu.

A mentira reinou.

A falsidade desabrochou.

O vil interesse se expandiu...

a mídia sorriu...

não!

A mídia gargalhou!

Se ufanou!

Sobre a desgraça sentou-se!!

A glória apagou-se,

o escândalo engordou...

 

Quase uma década!

Quase 3650 dias perdidos...

Jogados no lixo...

 

Nesse triste domingo de novembro,

ombros caídos,

lágrimas nos olhos,

sobrancelhas franzidas,

alma partida,

ele se percebeu,

e não gostou do que viu:

quantos planos decepados!

Quantos projetos parados!

Um abismo se abriu...

a ponte caiu,

os passos fraquejaram,

as lembranças imperaram,

tomaram conta da singela Hora Santa

já quase no fim.

“Deus quis assim!”

“Senhor, tende piedade de mim!”

-Ele rezava.

“É muito tempo!”

“Já não aguento!”

“Quero parar!””

“Quero ficar no nada!”

“Que a vida estacione!”

“Para que lutar?”

“Para que vencer?”

“Por que alimentar outros sonhos?”

“Para que tanta ilusão?”

“Empedrou-se o meu coração!”

“Partiu-se minha esperança!”

“Vejo tudo no chão!”

 

O silêncio de seu cantinho na cela,

apenas era quebrado pelo jogo da TV,

Palmeiras e Botafogo.

De repente, num seu cochilo,

a cela sumiu,

as paredes caíram,

os céus se abriram,

e ele viu-se numa planície,

se aquela mesmice,

sem aquele cheiro azedo da prisão.

Um perfume das flores da campina

rescendeu.

A tristeza morreu.

Tudo se iluminou.

Ele apenas via um canteiro de flores,

ali no céu:

eram as flores que ele plantara,

no céu,

em seus quase dez anos de prisão.

 

No instante seguinte,

tendo ele acordado,

a cela voltou ao cheiro azedo,

as grades da solidão,

mas no altarzinho de sua cama,

um lindo vaso branco

trazia uma rosa perfumada,

e alegria imensa,

do amor de Deus e de Maria,

inundou seu coração.

Meu amigo continuava a chorar,

Mas agora era de alegria!

 

O SILÊNCIO DO DESERTO

23/01/2013

A-24

O silêncio do deserto me fascina!

O silêncio do deserto me domina”!

Me faz pensar,

me faz rezar,

me faz sonhar...

Sonhar com um mundo incrível,

em que tudo se ajusta,

em que todos se amam,

em que todos se unem,

em que o mal é vencido,

em que não há falsas necessidades,

em que Deus é o centro,

domina todas as coisas com seu domínio de amor,

tão suave,

tão leve.

 

O silêncio do deserto está em meu coração,

no meu mais íntimo aposento interno.

Ele não existe no meu exterior.

Abstraio-me de tudo,

deixo de lado todas as coisas,

as finanças,

as lutas,

as brigas,

a blogagem,

o esporte,

o lazer,

o cinema,

o passeio,

a cervejinha,

o Mac Donald's,

e entro no meu deserto,

dentro do meu quarto.

 

Ali meu horizonte se descortina,

as paredes caem,

o sol me ilumina,

a areia tudo domina ao meu redor.

Ouço, então, a presença de Deus,

Sinto sua voz,

Vejo sua bondade a me chamar,

a me guiar,

a me conduzir pelos caminhos da vida.

 

Fortalecido pelo deserto do meu quarto,

pelo deserto do meu coração,

volto à luta,

à labuta do meu dia-a-dia.

Sou um eremita,

Um eremita da cidade,

Eremita de Jesus Misericordioso

 

SAUDADE

(10/04/13)

A-33

A saudade apertou meu pobre coração

a saudade ordenhou os meus olhos

e as lágrimas caíram.

Nada mais me resta

daqueles tempos felizes...

Nada mais é festa,

nada mais resiste,

tudo é melancolia,

acabou-se a alegria.

 

As cinzas da fogueira

se espalharam pelo vento,

e ainda hoje eu tento,

mas tudo é coisa passageira.

 

Algumas brasas restaram,

insistem em ficar...

Algumas notas musicais ficaram,

escondidas pela timidez,

esquecidas pela velhice,

desafinadas pela voz trêmula,

entrecortadas pelo esquecimento.

 

Alimento meu pensamento,

nutro minha fantasia,

e meu coração se desaperta em alegria,

nas lembranças ligeiras

daqueles tão lindos dias.

 

Esse mundo maravilhoso que vivi

não pega no teu canal,

não entra na tua tevê,

mesmo que seja digital!

Então eu te dou uma dica:

olha-te no espelho

e preenche o espaço vazio

do meu mundo maravilhoso

com aquilo que passaste,

com aquilo que viveste,

e verás às vezes com alegria,

às vezes com tristeza,

as coisas bonitas que perdestes,

as coisas tristes que vivestes!

 

Estamos numa nova estrada,

diariamente,

e sempre podemos recomeçar!

Não percamos mais os caminhos!

Que nossos descaminhos,

que nossos desatinos,

à sensatez deixe lugar.

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