sábado, 10 de março de 2018

A POBREZA


A simplicidade só é possível se acreditarmos que Deus está presente ininterruptamente em nossa vida, e por isso não corremos feito doidos atrás do dinheiro, como diz Hebreus 13,5-6:

“Que o amor ao dinheiro não inspire a vossa conduta. Contentai-vos com o que tendes, porque ele próprio disse: 'Eu nunca te deixarei, jamais te abandonarei'. De modo que podemos dizer com ousadia; 'O Sr. é meu auxilio, jamais temerei; que poderá fazer-me o homem?”


Se amamos o dinheiro sobre todas as coisas, nunca viveremos a simplicidade, o amor gratuito e generoso a Deus e, consequentemente, às pessoas. Sabendo que Deus nunca nos abandonará, como vimos nesses trechos acima, vamos viver uma gostosa despreocupação pelo que vai nos acontecer. Seja o que for que nos aconteça, Deus está presente e vigiará para que tudo saia bem, embora por agora pareça tudo esquisito e tormentoso. Nunca estamos sozinhos, se estivermos confiantes em nosso Criador e Salvador. É Mateus 6,19-34 que nos diz isso, culminando com os versículos 33 e 34:


“Buscai, pois, em primeiro lugar, o reino de Deus e sua justiça, e todas essas coisas vos serão dadas em acréscimo. Não vos preocupeis com o dia de amanhã. O dia de amanhã terá suas próprias dificuldades. A cada dia basta o seu fardo”.


Mesmo na evangelização buscaremos os meios pobres, os meios mais simples, se confiamos em Deus, como fazem os que seguem a espiritualidade do Beato Carlos de Foucauld, cujos escritos você encontra neste mesmo blog, no índice. Muita parafernália na evangelização acaba impedindo, podemos dizer assim, a ação do Espírito Santo. Quando S. Paulo Apóstolo falou no aerópago de Atenas, usou a sabedoria e depois se arrependeu disso. Dali em diante, procurou pregar mais com a inspiração e a ajuda de Deus do que com os recursos de sua ciência.


Dizia o beato Carlos de Foucauld que devemos não apenas proclamar, mas “Gritar o evangelho com a própria vida”. S. Paulo Apóstolo percebeu isso como ninguém, ao dizer que “Quando sou fraco, aí é que sou forte” (2ª Cor. 12,10). E é isso mesmo, pois se eu me acho forte, vou fazer tudo por mim mesmo, sem depender muito da ajuda de Deus; entretanto, se eu admitir minha fraqueza, vou confiar e pedir a ajuda divina, e Ele me ajudará. O salmo 126(127) é bastante esclarecedor nesse assunto, quando diz:


“Se o Senhor não construir a casa, é em vão que os construtores trabalham”. E ainda Mateus 12,30: “Quem não está comigo, está contra mim; e quem não recolhe comigo, espalha”. Por isso, a coisa mais inteligente que podemos fazer é pedir a ajuda de Deus e nunca agir confiando em nossas próprias forças!


No Antigo Testamento temos muitos exemplos disso que estou falando: quando o povo confiava na ajuda de Deus, vencia a batalha; quando confiava apenas nas próprias forças, perdia. Confira, se quiser, estas passagens:


Davi e Golias (1ªSamuel 17,50-51);

Sansão e os filisteus (Juízes 16,28-29);

A queda dos muros de Jericó (Hebreus 11,30 e Josué 6,14-20);

Gideão vence com 300 homens, depois de escolher entre 32 mil (Juízes 7,7);

Já no Novo Testamento temos a parábola do homem que teve de pensar antes de começar a casa e que não iria conseguir terminar, em Lucas 14,28-33, incluindo a parábola do rei que devia checar se conseguia vencer o inimigo com o seu exército ou não. A conclusão, magistral, está no versículo 33:


“Qualquer de vós que igualmente, portanto, não renunciar a tudo o que possui, não pode ser meu discípulo” (Lucas 14,33).


Renuncia a tudo o que possui. O que você entende por isso? Será que não está incluido títulos, prêmios, vantagens, privilégios, autossuficiência, recursos extraordinários, dinheiro supérfluo, vida cômoda em detrimento da pobreza dos outros, burguesia, recursos a outras forças espirituais escusas, não cristãs, e tantas outras coisas parecidas. Se não renunciarmos a isso tudo, ou seja, se não confiarmos primeiramente em Deus, em nossas ações e procedimentos, vamos trabalhar sozinhos, feito bobos.


É bem marcante a ordem dada a Lucas 9,1-6; “ Não leveis para a viagem nem bastão, nem alforje, nem pão, nem dinheiro, nem tenhais duas túnicas”. Os comentaristas dizem que isso era para que os apóstolos ficassem mais livres para agir, menos impedidos ou amarrados a coisas materiais. Hoje em dia é a mesma coisa: desimpedidos de tudo, a evangelização se torna mais eficaz, por não ser baseada em nossos meios, mas na força e na ação de Jesus Cristo. Deus nos fornece tudo o que nos for necessário.


Em Lucas 12,33-34 vemos uma realidade ainda maior: “Vendei vossos bens e dai esmola! Fazei bolsas que não fiquem velhas, um tesouro inesgotável nos céus, onde o ladrão não chega nem a traça rói. Pois onde está o vosso tesouro, aí estará também o vosso coração”.


A riqueza, a avareza, o medo do desconhecido, que nos leva a acumular bens e a procurar viver uma vida mais complexa, em que abastecemos nossos estoques materiais, sociais, afetivos, humanos, mentais, espirituais, pode ser até uma idolatria, como fala Lucas 12,13-21;


“Tomai cuidado com todo tipo de ganância, porque mesmo que alguém tenha muitas coisas, a vida de um homem não consiste na abundância de bens” (v.15). E Jesus diz ao homem que queria destruir seus celeiros para construir maiores: “Louco! Ainda nesta noite pedirão de volta a tua vida. E para quem ficará o que tu acumulaste?” (v.20).


Ainda Colossenses 3,5: “Mortificai (...) a cobiça de possuir, que é uma espécie de idolatria”. E em Efésios 5,5: “O avarento – que é como um adorador de ídolos...”. Diz- nos também Eclesiastes 1,2; 2,21-23: “Vaidade das vaidades(...) tudo é vaidade(...)!”.


Quando morremos as pessoas da família se apossam do que tínhamos ou simplesmente jogam tudo fora, se ali não encontram coisas que rendam dinheiro. Quantas coisas acumuladas durante anos, e num instante vão para o lixo. Quantos pecados de ira, irritação, maledicência, inveja, apegos, avareza, fizemos para acumular essas coisas! Quanto tempo perdido! Num instante, deixam de existir. Quantas orações, caridade, atos de fé, prática da fé, sobriedade, amor verdadeiro e gratuito, lazer justo e necessário, férias, estudos, curtição dos filhos, do(a) esposo(a), dos filhos nós deixamos de lado para amontoarmos coisas inúteis!


São João Crisóstomo, entre os anos 349-407, fala sobre o fato de que muitas vezes gastamos fortunas em embelezar os templos e deixamos o outro morrer de fome (2ª leitura do sábado da 21ª semana do tempo comum, of. das leituras). Eis uma parte do texto:


"Que proveito haveria, se a mesa de Cristo está coberta de taças de ouro e ele próprio morre de fome? Sacia primeiro o faminto e, depois, do que sobrar, adorna sua mesa. Fazes um cálice de ouro e não dás um copo de água? Que necessidade há de cobrir a mesa com véus tecidos de ouro, se não lhe concederes nem mesmo a coberta necessária? Que lucro haverá? Dize-me: se vês alguém que precisa de alimento e, deixando-o lá, vais rodear a mesa, de ouro, será que te agradecerá ou, ao contrário, se indignará? Que acontecerá se ao vê-lo coberto de andrajos e morto de frio, deixando de dar as vestes, mandas levantar colunas douradas, declarando fazê-lo em sua honra? Não se julgaria isto objeto de zombaria e extrema afronta?” 

Faço aqui um pequeno silêncio para refletir sobre os imensos gastos que se fazem com construções e acabamentos luxuosos de igrejas, salões e casas paroquiais, e a miséria que se empregam para favorecer a formação de líderes comunitários instruídos e formados nas ciências necessárias para um apostolado eficaz no meio do povo, sem falar ainda do abandono em que muitas famílias se encontram. Será que essas luxuosas construções estão agradando a Deus?


Quero ainda deixar uma palavrinha sobre a parafernália de coisas que tiram nossa atenção durante o dia. A pessoa que se dispõe a viver uma vida consagrada deve prestar atenção de não perder muito tempo com rádio, tv, de modo exagerado. O Pe. René Voillaume (morreu em 2003), disse que uma pessoa que fica horas a fio diante da TV, dificilmente terá disposição para rezar. E é isso mesmo! A tv, mais até que o rádio, nos toma muito mais tempo do que percebemos. Também provocam muitas vezes alguma superficialidade no modo de pensar e de julgar os acontecimentos e as coisas.


Devemos aprender a nos controlar diante dos meios de comunicação social e adquirirmos uma visão crítica em relação a eles. A propaganda que fazem de coisas supérfluas vai diretamente contra o que os cristãos devem pensar e desejar.


Curtir o silêncio é muito importante para nossa vida espiritual. São Francisco de Salles dizia, já no século 16: “As pessoas se entopem de barulho para não ouvirem a voz de seu coração”. Há um artigo muito bonito neste blog sobre o silêncio e o deserto, do Dom Edson Damian, de S. Gabriel da Cachoeira. Deem uma lida e irão gostar!


O silêncio e o despojamento: duas coisas muito evitadas, atualmente, por causarem insegurança e, ao mesmo tempo, uma tomada de atitude às vezes drástica diante da vida. Diz Oséias 2,16: “Vou levá-la ao deserto e aí lhe falarei ao coração (ou: vou conquistar seu coração)”. O deserto é o lugar da simplicidade conseguida no despojamento total e na solidão!


O problema é aprendermos a fazer silêncio num mundo tão conturbado como este. O silêncio não deve ser apenas dos sons, mas dos ruídos internos, como das nossas fantasias. É muito difícil vencer e saber contornar as fantasias, mas com paciência, oração e jeitinho a gente consegue substituir as fantasias indesejáveis por pensamentos bons e santos. O segredo é não tentar abafar as más fantasias, mas substituí-las por outras boas e santas.


O vazio que se faz ao nosso redor e no nosso interior, nós o preenchemos com a presença da graça de Deus! Maria é cheia de graça porque, em sua simplicidade, esvaziou-se do orgulho e de si mesma. (Lucas 1,47-48). Diz o Salmo 131(130):


“Senhor, meu coração não é ambicioso(...). Eu fiz calar e repousar meus desejos” (silêncio interno).”Como criança desmamada no colo da mãe” (desmamada porque não procura mais o peito. Está no colo da mãe sem outra intenção que a de estar ali, no aconchego do colo, e não com o interesse de mamar!)

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