sexta-feira, 9 de março de 2018

A CASTIDADE

“Beati imaculati in via, qui ambulante in lege domini” (sl 119(118), 1).

A castidade é um tema fácil de se comentar, mas difícil de se praticar. O Pe. Eugène Charbeauneau diz, num de seus livros “Solteiros e casados autoanalisados”, que nós teremos o desejo de cópula até a nossa morte. Uma senhora de 80 anos, doente, acamada, perguntou-me, certa vez em que fui visitá-la, até quando ela teria “aqueles pensamentos”. Eu lhe disse, em tom de brincadeira, “até três horas após a sua morte”. Ela espantou-se. Faleceu dois anos após, aos 82.


Um dos problemas da castidade é o conjunto de problemas afetivos que todo humano tem. Poucos são educados numa vida afetiva ideal.

Outro problema sério é a hipocrisia. Quem é casto de verdade? Só Deus sabe! Será que os que condenam os problemáticos nesse setor são mais castos do que eles?

Os que têm desvios sexuais sofrem mais do que os ditos normais, pois estão constantemente em tentação e sentem-se impedidos de praticar a castidade. Não percebem que, com a graça de Deus, tudo é possível. Essas pessoas sentem tentações onde quer que estejam: no dia a dia, no trabalho, nos passeios, nos acampamentos, na praia, nos retiros, na igreja, nos encontros espirituais... Como sofrem!

A Igreja é curta e rápida nesse assunto: quem não consegue viver uma castidade relativa mesmo no casamento, fique completamente casto e ponto. Aliás, Gandhi está nessa lista. Não conseguindo controlar-se, combinou com sua esposa viverem como irmãos. E viveram assim muitas décadas. Quando ele falou isso em sua autobiografia, já viviam em castidade há mais de 20 anos.

Quanto a ser casto, a Igreja ensina que é um dom de Deus. Quem quiser ser casto, tem que pedir isso a Deus, ser humilde. Por isso o vaidoso e o orgulhoso que acham poderem cuidar sozinhos de si mesmos, vão sentir muita dificuldade na castidade. Sentem-se superior a todos e a tudo. Jesus criticou-os muito, na pessoa dos fariseus e dos escribas, dizendo que não tinham perdão, mas perdoou facilmente os adúlteros, por saber que pecaram por fraqueza, e ensinou-lhes a humildade.

Li em algum lugar que as cinco virgens imprudentes não entraram no “céu”, apesar de serem virgens!

Qual é a diferença entre viver buscando a santidade, estar lutando contra o pecado e viver no pecado, seja ele sexual, ou causado pela mentira, as brigas, a desonestidade, as fraudes, a vaidade, o orgulho, a violência, a falta de caridade, o egoísmo, o ódio, o isolamento?

Enumerei várias coisas:

1- A busca da santidade nos deixa leves, fáceis de sermos conduzidos pelo Senhor.

2- Deixa-nos uma paz incrível, inexplicável, que produz uma alegria intensa e interior;

3- A oração, o colóquio com Deus, torna-se mais fácil;

4- Impele-nos a amar as pessoas, sobretudo as necessitadas (sejam elas ricas ou pobres, pois um rico doente e/ou abandonado é uma pessoa necessitada de nossa presença). Amor sem distinções e sem interesse, devido à busca da santidade naquele relacionamento. A castidade não pode nos deixar isolados. Dizia um meu colega de seminário, o atual Pe. Everaldo: “Ao darmos um nó simbólico “naquilo”, pelo voto de castidade, não podemos dar também um nó no coração!” (1972).

5- Buscar a santidade não é deixar de sentir atração sexual, nem deixar de sentir os movimentos no corpo, causados pelos hormônios, mas integrar esses movimentos e impulsos internos à vida diária. Lembrar-se, também, de que há outros impulsos que nos levam ao pecado, mas igualmente não são pecados em si, como os que levam ao alcoolismo, à violência, ao isolamento, ao egoísmo, ao auto fechamento, à busca do prazer pelo prazer, do dinheiro, do luxo etc.

Esses impulsos só se tornam pecados se forem consentidos e alimentados por nossa concupiscência.

Santa Catarina de Sena compara esses impulsos com cães amarrados que latem, mas não mordem (sinal de que sentia muito esse tipo de coisa). Se não lhe dermos confiança (dizia ela), se enfraquecem.

6-O próprio Jesus teve alguma sensação do prazer sexual, pois sendo 100% homem, tinha as poluções noturnas normalmente, como todos os homens até a idade de uns 68 anos (alguns até mais). E foi castíssimo! Nunca pecou!

7- A santidade é impossível sem a humildade e sem o autoconhecimento. Conhecer-se e humildemente aceitar-se como se é, para evitar as ocasiões de pecar e fugir do pecado. Cada um deve conhecer seus limites e suas tendências. Aqui entra o famoso “Orai e Vigiai”, tão insistido por Jesus e pelos Apóstolos.

8- A luta em busca da santidade, seja vivendo o celibato ou a fidelidade conjugal, é uma luta contínua. Gandhi combinou com a esposa de viverem castos, e conseguiram. Mas ele dava até receita de alimentos que não causavam muito hormônio! Um amigo meu dizia que seria capaz de viver com sete esposas, mas se contentava com a dele e a respeitava. E eu acredito nele.

São Francisco de Salles era especialista em “receitar” atitudes que podem ajudar a vencer as tentações do dia-a-dia, como no livro “Filotéia” (você o encontra na internet, se o desejar). Ele orienta de modo especial tanto os celibatários como os não celibatários.

9- A santidade é um dom de Deus, mas requer nossos cuidados e nossa luta. Devo fazer a minha parte, para que Deus faça a dele.(...)

Concluo exortando a todos e a todas a nunca desanimarem da luta, mesmo se caírem, seja em algum pecado sexual, seja não sexual. “Levante, sacuda a poeira e dê a volta por cima”. Nunca desanimar, nunca desistir.

Quanto ao celibato obrigatório para os padres, acho que está na hora de liberar a ordenação sacerdotal para os casados. É um absurdo “amordaçar” o Espírito Santo, sujeitando-o a só dar vocação aos que querem ser solteiros. Sei que o papa Francisco vai rever isso e logo teremos padres casados em abundância, como escrevi no meu artigo “Hecatombe”. (...)

Nunca duvide do amor de Deus por você! Seja qual for sua situação de vida, ele recolheu em seu odre todas as lágrimas que você derramou (Salmo 56,9). Todas! Nem uma só gota foi desperdiçada!

E o último conselho, baseado na minha experiência: não exagere em nada! Pare de procurar chifre na cabeça de cavalo! Nem tudo é pecado! Aprenda a distinguir o verdadeiro do falso nesse assunto. No campo da castidade, por exemplo, muitos lutam tanto para serem castos que deixam de lado a caridade, que é a virtude principal, pela qual vamos ser julgados (confira em Mateus 25,31-46). As virgens imprudentes, embora continuassem virgens, não entraram na festa nupcial (=no céu).

Neste artigo quero acrescentar que os que desejam a castidade, devem programar-se numa vida de oração, meditação, leitura espiritual, exercícios físicos (ou pelo menos uma caminhada diária), sobriedade na alimentação, nos olhares, nas palavras, direção espiritual, humildade, confiança em Deus, VIGILÂNCIA, jejum de televisão, jejum absoluto de artigos eróticos, autoconhecimento, nunca recalcar os problemas, embora precise fugir das ocasiões de pecado, administrar as fantasias, saber que o sexo traz muitas ilusões (é como o café, que o cheiro é um e o gosto é outro) e nunca desanimar.

Textos bíblicos:

Filipenses 4,8.9b:

“Irmãos, ocupai-vos com tudo o que é verdadeiro, nobre, justo, puro, amável, honroso, virtuoso ou que de algum modo mereça louvor. E o Deus da paz estará convosco”.

Apocalipse 20,27: “Coisa imunda alguma entrará na Cidade Celeste”.

Outros: Mateus 5,27-32; 1ª Coríntios 7 (todo); 1ª Coríntios 6,12-20; Romanos 6, 19-23; 1ª Coríntios 15,33; Colossenses 3,5; Romanos 1,26-27; Romanos 1,29; Efésios 4,32-5,8.

Termino com a carta que o papa Paulo VI enviou a um recém ordenado pastor evangélico seu amigo:

CARTA DE PAULO VI A UM PASTOR (Sobre a castidade)

Extraído da revista Ultimato. Se você quiser dar uma olhada, eis o link: www.ultimato.com.br/revista/358
Carta que um recém-ordenado pastor recebeu de Roma, do Papa Paulo VI, mas que serve para todos nós:

“Eu, Paulo, apóstolo de Jesus Cristo, escrevo a você, meu querido irmão e colega de ministério. Desejo tudo de bom para você e sua igreja da parte de nosso Deus e de Cristo.

Soube de sua ordenação ao ministério. Felicito-o por ter atendido o chamado de Deus e se preparado para tanto. Não por intrometimento, mas por estar historicamente ligado a você e à sua família, tomo a iniciativa de escrever-lhe a presente carta pastoral. Lembre-se de que eu tenho mais do que o dobro de sua idade e sou tão humano quanto você.

No momento, não vou dar conselho algum sobre questões teológicas, eclesiásticas e administrativas. Nem sobre a vida devocional, que deve ocupar a sua primeira atenção.

Por saber que muitos dos nossos colegas, inclusive os de minha idade, estão tendo sérios problemas com a sua sexualidade e que a sociedade está cada vez mais permissiva, permita-me dar-lhe alguns poucos conselhos de pai para filho.

Primeiro, você ainda vai fazer 26 anos e está cheio de vida. Fuja das paixões da mocidade. Ou, melhor, volte as costas para elas. Eu me refiro em especial aos desejos turbulentos da juventude. Não aos desejos naturais, sadios e controlados, mas às paixões malignas e aos pensamentos impuros. Fugir não é sinal de fraqueza nem de fracasso. Muitas e muitas vezes fugir de alguma coisa errada ou inconveniente é um ato de heroísmo.

Segundo, como pastor de um pequeno ou grande rebanho, você precisa ser exemplo dos fiéis, ao pregar, ao ensinar, ao orar, ao aconselhar, ao advertir. Torne-se padrão para toda a igreja e para os de fora, em tudo: na palavra, no procedimento, no amor, na fé e também na pureza. Estou me referindo à pureza sexual. Em outras palavras, torne-se modelo na pureza, isto é, porte-se de acordo com a lei moral de Deus, em pensamento, palavra e ações.

Terceiro, você não será pastor só de ovelhas do sexo masculino, mas também de meninas, mocinhas e senhoras (mães e avós). Meu conselho é: trate as mulheres idosas como mães e as mulheres jovens como irmãs, com toda pureza. Você terá de fazer uma ginástica enorme. Não é algo simples tratar qualquer mulher, sobretudo as mais jovens, com naturalidade, sem qualquer maldade, sem qualquer lascívia, sem qualquer impudicícia, sem qualquer luxúria. Essa dificuldade real é devido à bagagem pecaminosa que está dentro de você e de mim.

Quarto, conserve-se puro. Hoje, amanhã e depois. Em casa, na igreja e na rua. Acordado ou dormindo (caso você tenha algum sonho erótico, provocado ou não por você, lave sua mente e entregue-o ao esquecimento). Sozinho ou na companhia de alguém. Em viagem de uma cidade a outra ou de um país a outro. Sua pureza não pode ser esporádica. Caso haja algum intervalo, apresse-se em pedir desculpas a Deus e a subir imediatamente o degrau do qual você desceu.

Espero que você leia o meu testemunho pessoal sobre o drama da nossa humanidade e da nossa propensão pecaminosa que eu contei aos nossos irmãos que estão aqui em Roma. Em meu desespero, eu clamei: “Quem sobre a terra nos libertará das garras da minha natureza pecaminosa?”. Mas, quando eu recorri a Cristo, fiz uma oração de ação de graças: “Dou graças a Deus por haver uma solução que só pode ser por meio de Jesus Cristo, Senhor nosso”. Continuo dependendo dele para me conservar puro e ser um exemplo de pureza.

Que a graça do Senhor Jesus Cristo esteja com você, meu querido filho”!

(Texto baseado em 1 Timóteo 4,12, 5,1-2 e 22 e em 2 Timóteo 2,22)

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