12/10/16
Eu já era sacerdote quando resolvi passar alguns dias em Minas Gerais. Fiz isso, depois, várias vezes. Não me recordo das datas, mas acho que foi no final dos anos setenta.
Eu já era sacerdote quando resolvi passar alguns dias em Minas Gerais. Fiz isso, depois, várias vezes. Não me recordo das datas, mas acho que foi no final dos anos setenta.
Peguei o ônibus e desci numa cidadezinha no meio do mato, poucos habitantes. Perguntei o caminho para o casebre do eremita meu amigo, que morava lá, e o indicaram. Foram 6 km de caminhada, pouco mais de uma hora e meia. Era só subida!
Parei num casebre, cansado, e perguntei sobre ele. Disseram-me onde era sua cabana. Finalmente o encontrei. Ele veio encontrar-me no portão.
Casebre gostoso, com quatro cômodos, feito de madeira. Dois quartos, uma cozinha e uma capela. A sala era na cozinha. Fogão a lenha. Chuveiro frio, feito com uma lata de 20 kg, com a opção de tomar banho na vertente, vinda da montanha, água geladíssima, em pleno mês de janeiro.
Quatro horas da tarde. Ouvia-se os macaquinhos fazendo barulho na mata ali vizinha, e muitos bichos barulhentos. À medida em que avançava a noite, alguns silenciavam, outros começavam o barulho.
Voltei do banho na vertente, ajeitei minhas coisas numa cadeira no quarto de hóspedes e sentamo-nos na cozinha para pormos a conversa em dia. Eu conhecera o eremita num mosteiro, também em Minas, igualmente no alto de uma outra montanha. Ele ansiava, naquele tempo, viver como eremita e assim o fez.
Lembro-me com muito pesar que, numa de minhas visitas ao mosteiro, ao capinar uma área frontal como lazer, cortei inadvertidamente um pezinho de pinheiro que era o xodó do meu amigo. Recordamos esse fato e rimos.
Às cinco e meia nos recolhemos à capela e rezamos as Vésperas. A seguir, fomos à cozinha para jantar. Ele esquentou a comida que fizera no almoço, fez salada com folhas que ele mesmo plantara e fritou ovos. De sobremesa, uma marmelada feita numa fábrica ali perto.
Cansado que estava, recolhemo-nos aos nossos quartos cedo, lá pelas 20 horas, após rezarmos as Completas. Eu o ajudei a arrumar a cozinha.
Rezei o terço e logo fui dormir. Não quis gastar velas, e por isso não li nada. Lá não há energia elétrica.
Levantei-me às cinco horas, com o chamado do Irmão eremita. Como ele não era padre, eu celebrei a Santa Missa e continuamos com um momento longo de oração, leituras e meditação. Depois rezamos as laudes (oração da manhã), e após isso tudo fomos à cozinha para tomar café. Gostei do pão que ele fez, e do mel puro, que ele conseguia no sítio vizinho. O leite também era obtido no mesmo sítio.
À noite dormi como havia tempos não dormia, apesar do barulho da bicharada da floresta.
Falei um pouco sobre a minha vida daquela época, de pároco de cidade grande (eu morava em São Paulo), e ele me falou sobre a vida que levava ali. Visitava as famílias, sobretudo os pobres e doentes. Um (a) eremita não pode isolar-se da comunidade onde vive. De jeito nenhum!
Depois do café saímos para conhecer o lugar. Vi sua horta, seu pomar e as redondezas. Voltamos às 10 horas, rezamos o ofício das 9h e eu o ajudei a fazer o almoço. A mistura foi batata doce frita, pois ele não come carne.
Uma vida muito sacrificada, com muitas renúncias, o que me levou a pensar se isso não o levaria a abandonar tudo algum dia. A gente consegue viver de modo sacrificado um certo tempo, e se tiver acompanhante(s), mais tempo. Entretanto, para viver sozinho é preciso muita vocação e determinação. Não são todos que aguentam.
Após o almoço fizemos uma sesta e visitamos um doente no sítio vizinho onde ele comprava o mel e o leite. O doente era o esposo da senhora que nos atendeu. Ele pagava tudo com capinagem e serviços afins, pois o dinheiro era artigo difícil naquelas paragens.
Na volta, ajudei-o a aguar as plantas e a mexer com uma e com outra, e só paramos às 15 horas, para a oração das 15 e comermos algumas frutas próprias daquele lugar.
No dia seguinte escalamos um monte nas cercanias. Gostei muito. Lá do alto se via o horizonte montanhoso de Minas, um cenário magnífico.
À tarde voltei para a cidadezinha pelo caminho mais curto, de 4 km, ao lado do córrego formado pela vertente em que tomei banho, e consegui tomar o último ônibus.
Minha impressão foi de muita solidão, solidão dilacerante e perigosa. Acho que não dá certo morar assim tão sozinho. Esse meu amigo, uns três anos depois, acabou abandonando a vida eremítica e casou-se e vive muito feliz com a família que Deus lhe deu.
São Basílio, São Bento e Thomas Merton desaconselhavam a vida eremítica isolada, dizendo que a cenobítica (em comunidade) era melhor. Precisamos viver e aprender a viver em comunidade, sem deixarmos, é claro, a vida de oração. E se for realmente nossa vocação viver uma vida mais isolada, Deus vai dar o auxílio necessário.
Quero lembrar que Jesus não foi eremita todo o tempo. Passava longo tempo em oração, mas viva, como em Nazaré, em família, e depois com os discípulos.
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