sexta-feira, 21 de abril de 2017

O EREMITA DE MINAS


12/10/16
Eu já era sacerdote quando resolvi passar alguns dias em Minas Gerais. Fiz isso, depois, várias vezes. Não me recordo das datas, mas acho que foi no final dos anos setenta.

Peguei o ônibus e desci numa cidadezinha no meio do mato, poucos habitantes. Perguntei o caminho para o casebre do eremita meu amigo, que morava lá, e o indicaram. Foram 6 km de caminhada, pouco mais de uma hora e meia. Era só subida!

Parei num casebre, cansado, e perguntei sobre ele. Disseram-me onde era sua cabana. Finalmente o encontrei. Ele veio encontrar-me no portão.

Casebre gostoso, com quatro cômodos, feito de madeira. Dois quartos, uma cozinha e uma capela. A sala era na cozinha. Fogão a lenha. Chuveiro frio, feito com uma lata de 20 kg, com a opção de tomar banho na vertente, vinda da montanha, água geladíssima, em pleno mês de janeiro.

Quatro horas da tarde. Ouvia-se os macaquinhos fazendo barulho na mata ali vizinha, e muitos bichos barulhentos. À medida em que avançava a noite, alguns silenciavam, outros começavam o barulho.

Voltei do banho na vertente, ajeitei minhas coisas numa cadeira no quarto de hóspedes e sentamo-nos na cozinha para pormos a conversa em dia. Eu conhecera o eremita num mosteiro, também em Minas, igualmente no alto de uma outra montanha. Ele ansiava, naquele tempo, viver como eremita e assim o fez.

Lembro-me com muito pesar que, numa de minhas visitas ao mosteiro, ao capinar uma área frontal como lazer, cortei inadvertidamente um pezinho de pinheiro que era o xodó do meu amigo. Recordamos esse fato e rimos.

Às cinco e meia nos recolhemos à capela e rezamos as Vésperas. A seguir, fomos à cozinha para jantar. Ele esquentou a comida que fizera no almoço, fez salada com folhas que ele mesmo plantara e fritou ovos. De sobremesa, uma marmelada feita numa fábrica ali perto.

Cansado que estava, recolhemo-nos aos nossos quartos cedo, lá pelas 20 horas, após rezarmos as Completas. Eu o ajudei a arrumar a cozinha.

Rezei o terço e logo fui dormir. Não quis gastar velas, e por isso não li nada. Lá não há energia elétrica.

Levantei-me às cinco horas, com o chamado do Irmão eremita. Como ele não era padre, eu celebrei a Santa Missa e continuamos com um momento longo de oração, leituras e meditação. Depois rezamos as laudes (oração da manhã), e após isso tudo fomos à cozinha para tomar café. Gostei do pão que ele fez, e do mel puro, que ele conseguia no sítio vizinho. O leite também era obtido no mesmo sítio.

À noite dormi como havia tempos não dormia, apesar do barulho da bicharada da floresta.

Falei um pouco sobre a minha vida daquela época, de pároco de cidade grande (eu morava em São Paulo), e ele me falou sobre a vida que levava ali. Visitava as famílias, sobretudo os pobres e doentes. Um (a) eremita não pode isolar-se da comunidade onde vive. De jeito nenhum!

Depois do café saímos para conhecer o lugar. Vi sua horta, seu pomar e as redondezas. Voltamos às 10 horas, rezamos o ofício das 9h e eu o ajudei a fazer o almoço. A mistura foi batata doce frita, pois ele não come carne.

Uma vida muito sacrificada, com muitas renúncias, o que me levou a pensar se isso não o levaria a abandonar tudo algum dia. A gente consegue viver de modo sacrificado um certo tempo, e se tiver acompanhante(s), mais tempo. Entretanto, para viver sozinho é preciso muita vocação e determinação. Não são todos que aguentam.

Após o almoço fizemos uma sesta e visitamos um doente no sítio vizinho onde ele comprava o mel e o leite. O doente era o esposo da senhora que nos atendeu. Ele pagava tudo com capinagem e serviços afins, pois o dinheiro era artigo difícil naquelas paragens.

Na volta, ajudei-o a aguar as plantas e a mexer com uma e com outra, e só paramos às 15 horas, para a oração das 15 e comermos algumas frutas próprias daquele lugar.

No dia seguinte escalamos um monte nas cercanias. Gostei muito. Lá do alto se via o horizonte montanhoso de Minas, um cenário magnífico.

À tarde voltei para a cidadezinha pelo caminho mais curto, de 4 km, ao lado do córrego formado pela vertente em que tomei banho, e consegui tomar o último ônibus.

Minha impressão foi de muita solidão, solidão dilacerante e perigosa. Acho que não dá certo morar assim tão sozinho. Esse meu amigo, uns três anos depois, acabou abandonando a vida eremítica e casou-se e vive muito feliz com a família que Deus lhe deu.  

São Basílio, São Bento e Thomas Merton desaconselhavam a vida eremítica isolada, dizendo que a cenobítica (em comunidade) era melhor. Precisamos viver e aprender a viver em comunidade, sem deixarmos, é claro, a vida de oração. E se for realmente nossa vocação viver uma vida mais isolada, Deus vai dar o auxílio necessário. 

Quero lembrar que Jesus não foi eremita todo o tempo. Passava longo tempo em oração, mas viva, como em Nazaré, em família, e depois com os discípulos. 

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