quinta-feira, 13 de outubro de 2016

AS VIDAS VAZIAS

16-8-13

Numa cabana ao sopé de uma montanha levantei-me às 5 horas e pus-me em oração acompanhado de sons de grilos e sapos, estes coaxando numa pequena lagoa aqui perto.

Os pássaros cantavam à aurora prestes a iniciar. Eu uni as orações das Laudes, o Ofício das Leituras e as orações pessoais. Terminei ás 7:30 hs. Fiz e tomei um café com leite e pão com mel: aqui há em abundância o cultivo de abelhas e a coleta de mel, feita por duas famílias que moram não muito longe daqui. 

Após o café peguei um lanche e fui escalar o monte próximo ao do Baú. Não sei o nome dele. 

Já no topo do monte, diante de uma cruz, fiz uma manhã de deserto. Muitas coisas passaram-me pela cabeça, mas uma das que mais me marcaram foi a lembrança de muitas pessoas que conheci em minha vida, em vários lugares em que morei.

Alguns deles tinham as mentes vazias, as vidas vazias. Usavam maconha e cocaína, não tinham religião alguma, eram analfabetos e viviam arrumando encrenca. Tinham um certo complexo, nunca soube direito se era de inferioridade ou de superioridade.

Tudo o que eu falava no dia a dia era motivo de chacota ou respostas bruscas. Para dizer a verdade, eu senti pena deles. Não que eu queira me colocar num nível superior, não! Longe disso! 

O que eu sentia era pena por saber que eles não conseguiam ver Deus em suas vidas. Viviam como se uma pessoa vivesse diante de uma parede alta, e o mundo estivesse do outro lado.

Não enxergam um só palmo diante do nariz. Nunca participaram do colóquio gostoso de consolador com Deus! As coisas celestes, a bondade, a misericórdia, ficam longe de seus horizontes!

Vivem para o vício. Logo que levantam, em lugar das orações, dizem imprecações e palavrões. Que vidas vazias! Que desperdício das bênçãos divinas! Como eu gostaria que eles entrassem pelo menos um pouco na "esfera" divina!

Aqui, no algo desta montanha, sem ruído algum, num silêncio gostoso que nos aprofunda na meditação, olho o céu, a paisagem, sinto o cansaço da subida, e me lembro dessas pessoas que pensam que vivem a vida!

São dependentes químicos e se dizem ou se fazem de ateus. Dirigi a Deus uma oração por mim e também por eles, pois eu também tenho pecados e também fui muitas vezes ingrato a Deus. Mas a gente sabe o caminho do perdão, do arrependimento, do desejo de mudar de vida. Eles, infelizmente, não sabem. Eu disse:

"Senhor Deus, peço perdão por não ter conseguido convertê-los! Peço perdão pelo meu comodismo em viver no meio deles de modo individualista e egoísta! Perdoai-me por não ter gritado o evangelho com o testemunho de uma vida santa, como dizia o Irmão Carlos de Foucauld! Entrego-vos, Senhor, a minha vida e as de todas as demais em oração de penitência e em agradecimento. Ajudai-nos a sempre recomeçar a vida como vossos seguidores, que deixemos o vazio de nossas vidas e a preenchamos com o vosso amor!"

Nesse sentido eu tiro o meu chapéu para os crentes evangélicos. Eles conseguem convencer muitas pessoas a mudarem de vida. São persistentes e merecem o agradecimento divino. São batalhadores pela conversão e pela salvação das pessoas. Batem de mil a zero em nós católicos!

Uma brisa suave me refresca e me faz perceber a diferença com a tempestade de ontem. A subida foi difícil, pois há ainda muita lama. Estou todo sujo. Peço a Deus que não esteja "sujo" por dentro!

Só pode estar sujo quem conheceu a limpeza. Começo a perceber que esses homens de vidas vazias não estão, portanto, sujos! No vazio não há sujeira! Eles têm a falta de tudo! Por isso são mendigos que mendigam a felicidade, mas não erguem a vista e desse modo não enxergam o horizonte da felicidade.

Para isso, precisariam deixar as "muletas" a que se apoiam, como as drogas, o sexo desenfreado, a boêmia, e precisariam pedir a Deus que possam ter fé, possam crer nele e nele confiarem. O problema é que não conseguem crer em Deus, ou, como os agnósticos, não creem que Deus nos ama e cuida de nós. E talvez nós, cristãos, não nos amemos de modo suficiente a convencê-los disso!

São Carlos de Foucauld rezava, quando ainda não encontrara o caminho: "Deus, se você existe, faça com que eu acredite em você"! E Deus o ouviu!

Não sei o que Deus me pede em relação a eles. Eu sou muito limitado! 

Mas nesse ponto eu me vejo por dentro e me pergunto: e eu? Quais são as minhas "muletas"? Teria eu o direito de julgar quem quer que seja? Se eu conheço a pureza, a limpeza, sou capaz de me sujar! Deus exige muito mais de mim do que deles, pois eu conheço a felicidade, o amor puro e profundo da misericórdia divina, um pedacinho do paraíso, e não admite que eu me suje! Eu não tenho esse "direito"! 

Aqui em cima da montanha, eu sinto a pureza do ar, do perfume das flores, o silêncio da brisa, a ausência de ruídos, e sinto que Deus me quer ver assim também: simples, bondoso, casto, pobre, perfumado pelas virtudes.

São Paulo diz que somos o perfume de Cristo em 2ª Cor 2,15. Será que eu tenho sido realmente um perfume de Cristo para os que convivem comigo? 

Aqui meu olhar se dirige para tantos santos e santas que foram realmente o perfume de Cristo. Santa Teresa de Jesus e a de Lisieux, São João da Cruz, São João Batista, São João Maria Vianney, Santa Catarina Labouré, São Luiz Gonzaga, São Maximiano kolbe...

Não consigo, aqui, conter as lágrimas, ao pensar que não vivi até aqui uma vida santa, como a desses santos. Deus é tão bom para conosco! Quantas graças dele recebemos! mas até agora sou tão ingrato! Tanto quanto esses que têm as vidas vazias! "Que poderei retribuir ao Senhor por tudo aquilo que Ele me fez? Elevarei e tomarei o cálice de minha salvação, invocando o nome santo do Senhor!" (Salmo 115(116), 12-13).

O que significa isso?

Procurei na Bíblia de Jerusalém, depois que voltei da escalada, e vi que esse era um costume judeu, o de beber o cálice da bênção na liturgia judaica, e o comentário faz referência a 1 Cor 10,16: "O Cálice da bênção que abençoamos é a comunhão com o sangue de Cristo! O pão que partimos é a comunhão com o Corpo de Cristo!"

Entendi assim: o único modo de "pagarmos" o que Deus nos faz é lhe agradecermos pessoalmente e na liturgia, e de modo excelente na Santa Missa, ao comungarmos o Corpo e o Sangue de Cristo. E num coração puro, sem pecados, e misericordioso para com todos!

Volto novamente o meu pensamento para os meus irmãos de vidas vazias e me pergunto como Deus poderia "ganhá-los", morar no coração deles. Como poderia imitar aqui os meus irmãos evangélicos e sair em busca deles?

E mais uma vez me vejo contra a parede: quando vivi no meio deles, nada fiz para levar-lhes a vida eterna. Não sabia o que fazer. E lhes confesso, não sei ainda o que poderia fazer além de rezar por eles, para que se abram à voz de Deus.

Amar a Deus é tão somente deixar que Deus nos ame! É a única coisa que Deus nos pede: deixar que nos ame!

Deus é um amigo e um aliado poderoso! Se nós lhe abrirmos as portas, ele ceará conosco e ainda pagará a conta! (Apoc. 3,20).

Meditei ainda mais sobre esse assunto, tomei o lanche e voltei, à tarde, para a cabana. Amanhã vou embora, logo de manhã. É uma longa viagem até onde moro.

Estes dias que aqui passei, valeram muito! Agradeço a Deus por mais essa gentileza de sua bondade!

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