segunda-feira, 20 de janeiro de 2020

A AVARENTA


Era o ano de 1965, São Paulo. Às 18 horas, voltando para casa, encontrei uma senhora idosa debruçada sobre o parapeito do Viaduto do Chá. Ela estava chorando.
A seu lado havia uma bolsa grande com rodinhas, e estava cheia. Parei e a chamei. Ela não se moveu. Toquei em seu ombro e aí ela virou-se e me respondeu, quando eu lhe perguntei o que estava lhe acontecendo, se estava doente etc. A velhinha olhou para mim, com muita tristeza, e disse:


“Eu sou muito surda e fui despedida do meu emprego na casa de uma senhora muito exigente. Eu quase não ouvia a campainha da porta e o telefone!”

Fiquei com muita pena daquela senhora. Quantas pessoas há que gostariam de trabalhar, serem úteis, mas não podem, por causa de suas deficiências físicas! Nosso país progrediu muito nesse sentido, mas ainda há muitos preconceitos infundados.


Conheci um rapaz que possuía os dois braços atrofiados. Um deles era um pouco maior que o outro, que consistia num pequeno toco saindo do ombro. Com a mão direita, seca como o braço, ele apoiava a caneta no queixo e escrevia até melhor do que eu, com o rosto inclinado ao nível do caderno.


Ele trabalhava como revisor num jornal da cidade. E era um dos melhores alunos da classe. Era um exemplo de dignidade no trabalho. Como ele, muitos poderiam ser pessoas comuns, dando sua contribuição para o crescimento do país, mas... e as oportunidades que não chegam?

Também é verdade, porém, que há outras tantas que gozam de boa saúde, mas não gostam de trabalhar: vivem de roubos, mutretas, ou mesmo às custas de parentes e outras pessoas.

O trabalho dignifica, engrandece e vivifica o ser humano. Os monges, desde a mais remota antiguidade, têm o lema: “Ora et labora”: reze e trabalhe.

Realmente, a vida de um monge é ou pelo menos
deveria ser a de orar e trabalhar. Não é preciso ser
padre para ser monge: basta querer viver em comunidade e, é claro, ter vocação e capacidade para isso.


Num mosteiro as orações são distribuídas pelo dia todo, em horários precisos: por exemplo, das 5 às 8hs, oração da manhã, meditação, leituras e a missa conventual, que geralmente é celebrada na igreja, com o povo. Há também a oração do meio-dia, a das 15 h, as vésperas, às 17:30h, e a da noite, chamada de completas, às 20:15 h. Em alguns mosteiros se vai dormir às 21 horas.


Mas voltando à velhinha: ela estava ali, desamparada, precisando de trabalho. Eu lhe perguntei o que poderia fazer par ajudá-la. Ela me disse que aguardava o final do “rush” (a correria das tardes paulistanas) para ir à casa de sua primeira patroa, onde estivera quando moça. E me explicou:

“Minha primeira patroa é muito avarenta, pão-dura e foi por isso que eu a deixei. Vou voltar para lá porque tenho certeza de que em troca de casa e comida ela vai me aceitar como sua empregada, mesmo eu sendo surda. Para ela vale a pena, porque vai gastar pouco dinheiro.”

Isso me deu matéria para pensar a vida toda. Já se passaram 46 anos e eu ainda tenho na mente o fato de que aquela patroa iria acolher a velhinha justamente por ser pão-dura! Diz Isaías 54 que os pensamentos de Deus são superiores infinitamente aos nossos pensamentos, e é pura verdade: Deus usa dos meios mais improváveis e pequenos para os ajudar. Como Deus é bom! Como ele é Sábio! Como ele é Misericordioso!

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