segunda-feira, 27 de setembro de 2021

ENCARAR A REALIDADE

 ENCARAR A REALIDADE


27/09/2021

Muitas vezes ficamos pensando em nosso passado e nos deparamos com as asneiras que fizemos aqui e ali e a tendência de muitos é a angústia pelo mal realizado.
Precisamos encarar a realidade: as coisas já aconteceram. Não existe, pelo menos ainda, uma máquina do tempo para voltarmos e refazermos os nossos erros.

Quando tenho esses lances da memória sobre fatos passados, lembro-me de um Santo Agostinho, de um Carlos de Foucauld, de um São Paulo Apóstolo, de uma Santa Catarina de Gênova (cujo corpo está incorrupto), que foram pecadores antes da conversão. Como agiram, depois da conversão, ao lembrarem-se dos pecados da vida antiga?

A maior probabilidade é que tiveram uma atitude humilde de aceitar o que houve e recomeçaram humildemente uma nova vida. Talvez, a esse respeito, a gente possa fazer uma oração mais ou menos como esta:

“Senhor, eu pequei muito em minha vida passada, fiz muitas asneiras, mas agora estou recuperado, com a vossa graça, peço sinceramente perdão de todos os meus pecados, e a graça da misericórdia e da força para que eu recomece a cada dia uma vida melhor, mais santa. Nada posso fazer sobre o meu passado, não sei qual será o meu futuro, mas eu me entrego completamente a Vós agora, neste momento presente. Fazei de mim o que quiserdes”.

Outra face desse problema de não se encarar a realidade está na mania que muitos eremitas têm de se angustiarem por não poderem viver em casinhas no meio do mato, com flores, árvores... Isso é uma ilusão perigosa. Devemos seguir a nossa vocação independentemente de onde estamos e como vivemos. Aliás, é minha opinião (simples opinião minha, vocês podem discordar) que o eremita atual não pode viver completamente isolado da sociedade. Não vejo o isolamento total como um meio de progredir na santidade. Há muita necessidade de pessoas que ajudem outras menos favorecidas, mas também há muita necessidade de estarmos em contato com pessoas para que cresçamos na santidade.

Abandonar o mundo não significa abandonar as pessoas às suas próprias sortes. No final de sua vida, Jesus não dizia mais que o primeiro mandamento é simplesmente amar a Deus, mas amar a Deus amando o próximo. São João insiste muito nisso. Aliás, mesmo Jesus nunca viveu isolado, nunca viveu sozinho. Nem Deus vive sozinho: ele vive como Santíssima Trindade.

Se voltarmos um pouco na história, veremos que os monges antigos construíram, de certo modo, as cidades, ao proporcionarem trabalho agrícola aos moradores locais. Eles não eram isolados da sociedade. Eram produtivos e engajavam muitas pessoas no trabalho rural.

São Bento experimentou a vida de eremita por alguns anos, e chegou à conclusão de que viver em comunidade era melhor. Mesmo os eremitas que seguiam sua regra não viviam completamente sozinhos, mas em pequenas comunidades, com a refeição e algum tempo de oração em comum.

Vejo com muita tristeza que muitos desprezam os eremitas que vivem na cidade. Eremitismo não é sinônimo de agricultura, de sítio, de casinha isolada no campo. Uma pessoa pode ser um eremita santo mesmo vivendo numa kitinete (eu moro numa de 29m²), e sentir-se tão eremita quanto alguém que vive numa caverna isolada do mundo. Não há um só site de eremitas que não mostre uma casinha no meio do mato (até o meu blog e site sobre eremitismo também a mostram).

Acredito (desculpe-me quem acha o contrário) que o cerne, o coração do eremitismo está não tanto na solidão física, quanto na oração e na penitência. Essas duas coisas, aliadas à caridade (que é uma das maiores penitências), são aquilo que marca o eremita, seja ele isolado ou citadino. E a quem mora numa cidade é impossível viver isolado. Mesmo a obrigação (e o prazer) de participar de uma Missa semanal, pelo menos, nos leva ao contato com pessoas que, como nós, vivem num mundo real, uma vida real, muitas vezes de sofrimentos escondidos, e a quem muitas vezes temos coisas bonitas e confortadoras a partilhar. Os que conseguem ir à Missa diariamente, isso é mais constante ainda.

Voltando ao assunto inicial, e terminando, quero lembrar mais uma vez de que não podemos nos desesperar por termos sido pecadores no passado, mas sermos realistas: fomos pecadores e agora estamos num caminho de santidade. Deus nos perdoou, pela nossa confissão sincera e arrependimento, e agora estamos nos penitenciando e rezando para sermos um dia recebidos no céu. Mas não nos angustiemos por não vivermos numa casinha perdida no mato: podemos nos santificar mesmo vivendo na cidade e, se estivermos dispostos de verdade a agradar a Deus e a servi-lo, vamos encontrar tempo para orar e coragem para fazer alguma penitência. Essa é a essência do eremitismo. Não caiamos em fantasias perigosas!

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