terça-feira, 17 de setembro de 2019

A SOLIDÃO DO PADRE


17/09/2019


É um assunto sempre atual. Buscando num de meus sites, encontrei esta afirmação sobre a solidão em que muitos padres vivem, e suas consequências: “Esse vazio, por parte de alguns padres, é substituído por um excesso de comidas e bebidas.

Outra compensação é a do sexo virtual na internet, que, nos últimos anos, aumentou entre padres e colaboradores eclesiais”. (Reportagem de Christian Wölfel, publicada no site Domradio, de 15/01/2017. A tradução é de Moisés Sbardelotto).
Evitando os rodeios, eu vou direto ao assunto: acredito, pessoalmente, que a solidão de alguém, seja de padre ou de leigo, não depende do número de pessoas que o rodeia, mas de uma disposição íntima e pessoal.

Já vi pessoas de 11 filhos sentindo uma solidão doentia e maléfica. Já vi pessoas famosas com um público enorme a aplaudi-las sofrendo uma solidão intrínseca e incurável. Veja-se, por exemplo, quantos artistas famosos de cinema cometeram suicídio, como Robin Williams, rico, famoso e ator com filmes humorísticos, que cometeu suicídio em 11 de agosto de 2014.
Por outro lado, vi pessoas que vivem na solidão sentirem-se bem, amarem a solidão, amarem a vida que levam. Pode-se, por exemplo, dizer que Santa Teresa de Calcutá sentia solidão? Ou São João Maria Vianney, que vivia numa paróquia pobre, pequena, no “fim do mundo”?

São João M. Vianney escreveu em seu catecismo (veja no Ofício das Leituras no dia 4 de agosto), que, quando foi substituir quase todos os seus colegas que se encontravam doentes e moravam aos arredores de Bresse, então sua paróquia, ele tinha que caminhar longas distâncias a pé. Ele diz que: “nessas intermináveis caminhadas, rezava ao bom Senhor e, podeis crer, o tempo não me parecia longo”.

Ele dá como “receita” para a solidão e praticamente para todos os males, a oração: “Na oração bem feita, os sofrimentos desaparecem como a neve que se derrete sob os raios do sol” (idem).

O segredo, pois, para não se sentir essa solidão intrínseca, íntima, que invade os solitários ou as pessoas que vivem cheias de gente em volta, é a oração BEM FEITA. O Cura D’Ars diz, ainda, que muitos dizem a Deus apenas algumas palavras para logo se livrarem dele e acham que rezaram.

Nossa Senhora em Medjugorje está dizendo que devemos rezar com o coração, e não só de boca pra fora, ou como diz um amigo meu, “ficar batendo beiço”. Maria diz que a oração feita com o coração é ouvida por Deus.

A seguir trago um poema do famoso Pe.Michel Quoist sobre a solidão do sacerdote. Na época em que li eu era padre novinho, achei exagerada. Agora, com mais de 70 anos, eu a acho muito profunda e bonita.

Oração do Sacerdote
-numa tarde de domingo-

Esta tarde, Senhor, estou sozinho. Na Igreja, pouco a pouco, os ruídos calaram-se. Foi-se embora toda a gente, e eu voltei para casa, passo a passo, sozinho.

Cruzei-me com gente que voltava de um passeio, passei pelo cinema: vomitava uma pequena multidão, vagueei ao longo de esplanadas de cafés onde, cansados, os domingueiros tudo faziam para esticar um pouco mais a alegria de viver um domingo de festa. Esbarrei nos pequenos, que jogavam bola na rua. Os garotos, Senhor! Os filhos dos outros, que não serão nunca os meus.

E aqui estou, Senhor, Sozinho! No silêncio que me dói, na solidão que me oprime.

Tenho 33 anos, Senhor, um corpo feito como os outros corpos, braços moços para o trabalho, um coração reservado para o amor, mas tudo isto Te dei.

É verdade que de tudo precisavas, tudo Te dei, Senhor, mas é duro Senhor. É duro dar o próprio corpo: ele queria dar-se a outro (corpo). É duro amar toda a gente e não possuir ninguém. É duro apertar a mão sem poder retê-la. É duro fazer que brote uma afeição, mas para a dar a Ti. É duro nada ser para mim mesmo, a fim de ser tudo para eles.

É duro ser como os outros, entre os outros e ser um outro! É duro dar sem cessar, sem procurar receber. É duro alguém ir ao encontro dos outros, sem que jamais alguém venha ao meu encontro.
É duro sofrer os pecados dos outros, sem poder recusar acolhê-los e carregá-los. É duro receber os segredos, sem poder compartilhá-los. É duro arrastar os outros sem cessar e nunca poder, um instante sequer, deixar-me arrastar pelos outros.
É duro sustentar os fracos sem poder apoiar-me sobre um forte. É duro estar sozinho. Sozinho diante de todos, Sozinho diante do mundo, Sozinho diante do sofrimento, do pecado, da morte.

“Não estás sozinho, meu Filho, estou contigo, eu sou teu, eu precisava, na verdade, de uma humanidade a mais para continuar a minha Encarnação e a minha Redenção".

Desde toda a eternidade, Eu te escolhi. Eu preciso de ti: Preciso das tuas mãos para continuara abençoar, preciso dos teus lábios para continuar a falar, preciso do teu corpo para continuar a sofrer, preciso do teu coração para continuar a amar, preciso de ti para continuar a salvar. Fica comigo, meu Filho".

Senhor, eis-me aqui: eis o meu corpo, eis o meu coração, eis a minha alma. Fazei-me bastante grande para atingir o mundo, bastante forte para carregar com ele, bastante puro para o abraçar, sem querer guardá-lo.

Fazei que eu seja um ponto de encontro, sim, mas ponto de passagem. Caminho que não pende para si próprio, porque nele não há nada de humano a encontrar, nada que não conduza a Ti.

Esta tarde, Senhor, enquanto tudo em volta está em silêncio, dentro do meu coração sinto morder duramente a solidão.

Enquanto o meu coração uiva longamente a fome de prazer, enquanto os homens me devoram a alma e eu me sinto impotente para saciá-la, enquanto sobre os meus ombros pesa o Mundo inteiro, com todo o seu peso de miséria e pecado, eu repito o meu Sim.

Não às gargalhadas, mas lentamente, lucidamente, humildemente.

Sozinho, Senhor, sob o Teu olhar, na paz da tarde...


(no livro Poemas para rezar, de Michel Quoist)

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