05/03/16
Praia da Laje, Marujá, Ilha do Cardoso, Cataia. Esse
era o endereço da solidão (não sei se ainda há solidão por lá), solidão gostosa
e hospitaleira. Eu subia pela encosta da montanha, entre as pedras, e lá se
deparava com a praia da Laje, completamente deserta. Há um tipo de gruta que permite a
você, na maré alta, a ficar na água sem se expor ao sol.
Um amigo meu esteve aí pela primeira vez, gostou
muito, mas não pôde voltar para lá até sua morte, por câncer. Foi lá sua última
praia.
O Marujá tem uma delícia chamada “cataia”, folha de
árvore colocada na pinga. É muito boa, mas dá uma ressaca horrível!
Certa vez encontrei um corvo na praia. Mais ninguém.
Aquilo era, mesmo, um deserto! O corvo, também sozinho, olhou-me com preguiça.
Eu o olhei com mais preguiça ainda, e ele voou para bem alto, já que viu que eu
ainda estava vivo...
Como eu estava atoa, olhei-o: ele bateu poucas vezes
as asas. No mais, ele aproveitou a corrente de ar. Isso! Aproveitar os impulsos
divinos para alçar voo até o paraíso! Deus nos dá a “corrente de ar” de sua
graça e do seu amor, de sua misericórdia. Mas leiam a poesia que eu escrevi
sobre esse corvo:
O CORVO
10/10/14
Ilha do Cardoso, Marujá,
Praia deserta. Estou sozinho.
Cansado do caminho,
sento-me na areia.
À minha frente, um corvo.
A brisa suave eu sorvo.
Olho para ele,
ele para mim,
mais solitário ainda.
Perdeu-se dos colegas.
Minha angústia, infinda,
impede-me de andar.
Só estou ali, a lhe fitar.
Ele também não quer voar!
O céu, sem nuvens,
mostrou uma negra mancha
a deslizar-se no espaço.
Era um dos seus.
O corvo me fitou,
viu-me ainda vivo,
as asas abriu,
e voou.
Deixou-me sozinho.
Voando e planando
Chegou ao seu destino.
Levantei-me,
aprumei-me,
e lancei-vos, Senhor,
meu lamentoso olhar:
Só convosco, Senhor,
eu conseguirei caminhar!
Que meditação bonita eu fiz a partir dessa corrente de
ar que levou o urubu às alturas! Diz o salmo 126(127) que, se o Senhor não
construir a casa, em vão trabalham os construtores. Realmente, é preciso colocar-se
nos braços de Deus para que ele nos leve até o alto, até o paraíso.
Nós somos muito orgulhosos e autossuficientes e quase
não buscamos o auxílio divino. Deus é um Pai-Mãe que nos acolhe e nos orienta,
nos conduz, mesmo que sejamos fracos e preguiçosos. Ele nos dá vigor. Ou você
pensa que aquele urubu tinha força e ânimo suficientes para voar até as nuvens?
Não tinha! Mas ele acreditou na força da corrente de ar e sabia que ela o
levaria para o alto, sem que precisasse bater muito as asas.
No caminho da perfeição, que nos leva ao céu, é assim
também: nós temos que dar o impulso inicial, que é como o da criança: atirar-se
nos braços do Pai. Em seguida, é só mantermo-nos unidos a Deus que o restante
do caminho se torna visível e fácil. É besteira nos “descabelarmos” para deixar
o pecado e as nossas manias. Deixo o meu orgulho, a minha autossuficiência, o
meu egoísmo, e me lanço nos braços de Jesus, pedindo-lhe que me oriente e me
conduza. O resto é fácil: é só deixar-se levar. É como João narra que Jesus
disse a Pedro que se ele não o deixasse lavar-lhe os pés, não teria parte com
ele. É preciso deixarmos que Jesus entre em nossa casa, que nós lhe abramos a porta (Apoc. 3,20), a
fim de que Ele possa nos lavar os pés!
Vigiar sempre para não pecar, rezar sempre para
continuar vigiando sempre e para não abandonarmos a corrente de ar, digo, a
presença divina. Se a deixarmos, não vamos ter força para caminharmos sozinhos!
Desistiremos logo, pois, como diz a Dei Verbum 36, “Sem Deus, a criatura se
reduz a nada”.
Quanto ao Marujá, devo dizer ainda que lá não havia
eletricidade nem cercas nas casas, pois é reserva do governo. Só havia casas no
lado do canal, não no mar aberto. A gente se virava com o lampião a gás. Aos
poucos chegaram os geradores, a televisão... e as noites passaram a ser
iluminadas pela Globo.
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